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Combate ao crime organizado ganha impulso no Congresso; projetos preveem penas mais duras, proteção às eleições e cerco às milícias

Operação mira organização criminosa especializada no tráfico internacional de drogas Enquanto o Ministério da Justiça termina um texto para endurecer as ...

Combate ao crime organizado ganha impulso no Congresso; projetos preveem penas mais duras, proteção às eleições e cerco às milícias
Combate ao crime organizado ganha impulso no Congresso; projetos preveem penas mais duras, proteção às eleições e cerco às milícias (Foto: Reprodução)

Operação mira organização criminosa especializada no tráfico internacional de drogas Enquanto o Ministério da Justiça termina um texto para endurecer as penas para o crime organizado — o ministro Ricardo Lewandowski pretende enviá-lo à Casa Civil na próxima semana —, 136 projetos de lei que citam organizações criminosas, elaborados por deputados e senadores na atual legislatura, aguardam análise no Congresso. O assunto tem ganhado mais atenção dos parlamentares, sobretudo em meio a grandes operações policiais contra a facção criminosa PCC. Somente em 2025 foram apresentadas 82 propostas legislativas sobre o tema, mais que a soma de 2023 e 2024. Na última quinta (25), o Ministério Público de São Paulo e a Receita Federal realizaram uma operação que revelou um esquema de lavagem de dinheiro do PCC nos setores de combustíveis, motéis, franquias e jogos de azar. Semanas antes, em 28 de agosto, o MP-SP e a Polícia Federal deflagraram a Carbono Oculto, maior operação já feita contra a lavagem de dinheiro da facção, que mirou em crimes em toda a cadeia de produção de combustíveis e em fundos de investimento e fintechs sediadas na avenida Faria Lima, coração financeiro de São Paulo. Como reflexo da Carbono Oculto e do assassinato do ex-delegado-geral de São Paulo Ruy Ferraz Fontes, no último dia 15, dez projetos de lei sobre o crime organizado foram protocolados no Congresso entre o final de agosto e este mês. Na esteira desses episódios, há projetos que tratam de garantir a segurança de agentes públicos que trabalham enfrentando as organizações criminosas (PL 4688/25 e PL 4630/25, ambos na Câmara) e até um que proíbe que fintechs se identifiquem como "bancos" (PL 4541/2025, na Câmara). Os dados são de um levantamento feito pelo escritório Rosenthal Advogados Associados e verificado pelo g1 nos registros da Câmara e do Senado. A pesquisa considerou projetos legislativos que mencionam "organização criminosa". A maioria dos 136 projetos, em diferentes fases de tramitação, propõe mudanças na Lei 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), mas há também os que visam alterar o Código Penal, o Código Eleitoral e a Lei de Execuções Penais. Sintonia com governo federal A análise das propostas de autoria dos parlamentares mostra que boa parte delas está em sintonia com o texto que está sendo elaborado pelo Ministério da Justiça, mesmo as da oposição — deputados e senadores do PL e do União Brasil foram os que fizeram o maior número de projetos sobre organizações criminosas: 48 e 32, respectivamente. Os projetos dos parlamentares têm os seguintes pontos em comum com o texto "antimáfia" que está em preparação no Ministério da Justiça, conforme o que já se sabe sobre ele: ▶️ elevam as penas para quem integra, promove ou financia uma organização criminosa; ▶️ elevam a pena ou tipificam como um novo crime o "domínio territorial", visando atacar as milícias; ▶️ elevam as penas para crimes eleitorais cometidos por organização criminosa; ▶️ criam novas regras para que um condenado por organização criminosa possa progredir para o regime semiaberto. Por outro lado, também existem divergências importantes entre projetos de parlamentares e o texto que deve ser proposto pelo governo Lula. São exemplos: ▶️ a classificação de organizações criminosas como terrorismo e a criação de listas que incluem movimentos sociais como o MST entre os grupos terroristas; ▶️ e a criminalização da apologia ao crime organizado, punindo gestos e pichações. Nesta reportagem, estão listados exemplos de projetos de lei contra as organizações criminosas que falam sobre: Penas mais altas Milícias Progressão de regime prisional Crimes eleitorais Diferenças em relação ao projeto do governo Penas mais altas Ao menos 22 projetos dos parlamentares tratam de aumento de penas. Nove buscam alterar especificamente a Lei 12.850/13, subindo a pena para quem integra, promove ou financia organização criminosa. São exemplos o PL 767/2025, do deputado Célio Studart (PSD-CE), que prevê elevar a pena para esse crime dos atuais 3 a 8 anos de prisão para 5 a 10 anos de prisão; e o PL 3148/2025, do senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), que propõe de 6 a 16 anos de prisão. O projeto do Ministério da Justiça deve prever subir a pena para o crime de organização criminosa para 5 a 10 anos de prisão. Pela lei, uma organização criminosa é a associação de quatro ou mais pessoas, com divisão de tarefas, para praticar crimes graves cuja pena máxima seja maior que 4 anos de prisão (como tráfico de drogas, homicídios e corrupção, por exemplo). Os acusados respondem na Justiça pela organização criminosa, que é um crime autônomo, e também pelos outros delitos. Ao final, se forem condenados, as penas são somadas. Existem projetos no Congresso que querem diminuir o número de pessoas necessário para configurar uma organização criminosa de 4 para 3 — mudança que também é discutida pela equipe de Lewandowski. E há ainda propostas que criam causas para aumentar a pena em até dois terços, como o PL 2907/2023, do deputado Fred Linhares (Republicanos-DF), que estabelece esse aumento quando houver uma "organização criminosa familiar", da qual participem cônjuge ou parente consanguíneo de um criminoso. Para o advogado Sergio Rosenthal, é preciso cautela com o aumento indiscriminado de penas porque o Ministério Público tem imputado o crime de organização criminosa a pessoas em diversas situações, e não apenas a pessoas que integram facções e milícias. "Se for para incriminar um empresário que trabalha com os três filhos [numa empresa familiar], entendo que está errado, porque ele não montou a empresa para a prática de crimes, ainda que ele tenha praticado crimes por meio da empresa. Mas, quando você está falando de organizações criminosas de fato, como o PCC, aí a pena parece até leve demais", diz o advogado. Milícias Além dos projetos que sobem a pena para organização criminosa, sete falam da atuação das milícias e da necessidade de puni-las com maior rigor. Esses textos preveem tipificar como um novo crime a conduta de grupos que dominam territórios e forçam os moradores a adquirir bens e serviços — como gás e segurança privada, por exemplo — ou aumentam a punição para organizações criminosas que atuem dessa forma. É o caso do PL 1345/2025, do senador Rogério Carvalho (PT-SE), que define pena de 5 a 10 anos de prisão para um grupo que exerça, com violência ou ameaça, "domínio territorial sobre o espaço público [...] mediante cobrança indevida de quaisquer taxas, bens ou valores". O texto do Ministério da Justiça também deve estabelecer penas mais altas para as milícias, com a diferença de que, no texto em elaboração, elas deverão ser enquadradas numa nova modalidade de organização criminosa a ser criada, a de "organização criminosa qualificada", com penas de 12 a 20 anos de prisão. Progressão de regime prisional Ao menos nove projetos de congressistas dificultam ou chegam até a proibir totalmente a progressão de regime para condenados por organização criminosa. A ideia de criar novas regras para a progressão está em linha com a primeira versão do texto elaborado por especialistas para o Ministério da Justiça, que proibia a saída de presos que continuassem mantendo vínculo com a organização criminosa. Esse ponto está em análise na pasta. Já as propostas dos parlamentares preveem desde instituir um novo percentual de tempo em regime fechado antes de o preso ir para o semiaberto — por exemplo, 70% da pena para "membro de organização criminosa condenado por crime com resultado morte", no PL 3537/2024, do deputado José Medeiros (PL-MT) — até a vedação total da progressão em qualquer situação, caso no PL 5091/2023, do deputado Coronel Ulysses (União-AC). "Não precisa ser 8 ou 80. Um projeto de lei tem que ser razoável. A progressão da pena tem sua razão de existir, ela é um mecanismo de reinserção do preso na sociedade. Mas ela deve ser aplicada com razoabilidade, e entendo que a forma como vem sendo aplicada atualmente está desproporcional e não resolve a questão do crime", avalia o advogado Sergio Rosenthal. Há também propostas que tiram benefícios dos condenados por organização criminosa dentro da cadeia. Entre essas ideias estão proibir que recebam visita íntima (PL 836/2025 e PL 828/2025), vedar a remição da pena por estudo (PL 3855/2025) e até impedir que os presídios classifiquem e separem os presos de acordo com a facção a que pertencem (PL 1491/2025) — medida adotada hoje em dia para evitar brigas e mortes. Crimes eleitorais Três projetos tratam exclusivamente de crimes eleitorais cometidos por organização criminosa, como compra de votos e financiamento ilegal de campanha. O PL 4724/2024, do deputado Cabo Gilberto Silva (PL-PB), e o PL 4085/2024, do senador Randolfe Rodrigues (PT-AP), sugerem, respectivamente, dobrar e triplicar as penas para os delitos previstos no Código Eleitoral que sejam praticadas no âmbito de uma organização criminosa. As propostas se assemelham a um dos pontos do texto que deve ser apresentado pelo ministro Lewandowski. O projeto do ministério deve estipular que as punições para os crimes do Código Eleitoral sejam aplicadas em dobro "em contexto de atuação de organização criminosa". "Essa é uma tentativa de evitar que organizações criminosas, como o PCC, acabem conseguindo a eleição de pessoas a elas ligadas. Acho que isso deve ser uma das prioridades do governo para não permitir que as organizações possam ser inseridas na vida política nacional", afirma o advogado Sergio Rosenthal. "O aumento da pena nesses casos, sinceramente, eu não acho eficiente, porque eu não o vejo como um fator inibidor. São os instrumentos de investigação e a eficiência da polícia e do Poder Judiciário que podem fazer que o crime não aconteça. Punir o crime praticado é uma coisa, mas o que a gente deve fazer é evitar a prática do crime", diz. Nesse sentido, também há propostas de parlamentares para melhorar as investigações, como o PL 5369/2023, do deputado Alberto Fraga (PL-DF), que prevê "a infiltração policial por meio digital" para auxiliar na apuração de crimes cometidos por organizações criminosas. A possibilidade de infiltrar policiais no mundo do crime, de forma sigilosa, para desbaratar esquemas criminosos também constava do texto inicial produzido por especialistas para o Ministério da Justiça. Ainda não há informações sobre se esse ponto será mantido. Diferenças em relação ao projeto do governo Nove projetos na Câmara tratam organizações criminosas como terrorismo. Alguns criam listas de organizações terroristas. Dois deles tipificam a atuação do MST e de outros movimentos sociais como criminosa (PL 240/2025 e PL 832/2023). O texto em discussão no Ministério da Justiça não aborda esses tópicos. Do mesmo modo, deputados propõem criminalizar condutas que entendem como apologia ao crime organizado, como gestos (PL 1083/2024) e pichações com menções a facções (PL 1013/2024 e PL 1432/2023). Há ainda quatro projetos na Câmara, todos de 2025, que vedam financiamento público para eventos nos quais se apresentem artistas que fazem apologia ao crime. Nenhum desses pontos deve ser abordado pelo projeto do governo. Outras iniciativas de congressistas que não devem aparecer no texto do Ministério da Justiça, mas aguardam andamento no Congresso, são: ▶️ a criação de um cadastro nacional de pessoas condenadas por integrar organização criminosa e cometer outros delitos (PL 655/2025, na Câmara); ▶️ a criação de um prêmio para os estados que se destacarem no combate ao crime organizado (PL 2821/2025); ▶️ a exclusão dos homicídios cometidos por organizações criminosas da lista de crimes julgados pelo Tribunal do Júri, a fim de preservar a segurança e a imparcialidade dos jurados (PL 2081/2025 e PL 3693/2025, na Câmara; e PEC 53/2024, no Senado); ▶️ a obrigação de instalar equipamentos de reconhecimento facial em todas as rodoviárias interestaduais do país, com "alerta imediato às autoridades competentes em caso de detecção de indivíduos com mandado de prisão em aberto ou suspeitos de envolvimento com organizações criminosas" (PL 1012/2025). Depois que o Ministério da Justiça enviar sua proposta à Casa Civil, o texto deverá ser encaminhado ao Congresso — o que ainda não tem data para acontecer. Os projetos de iniciativa dos parlamentares também não têm data para serem analisados pelos plenários da Câmara e do Senado.